Comércio Tradicional

Os Centros Históricos de todo país sofrem genericamente de mal de abandono sócioeconómico. Paradoxalmente ao recente ímpeto reconstrutor e regenerador destes espaços, assente em intervenções urbanísticas de grande escala, as pessoas continuam a abandoná-los. Portugal está há vários anos a fazer um percurso que não tem paralelo na Europa mais desenvolvida, onde o comércio de base local e de proximidade continua a ter uma grande importância e onde os espaços de grande superfície não granjeiam assim tantos adeptos (a população portuguesa total já cabe bem na superfície existente de grandes centros comerciais e isto sem contar com os corredores, armazéns e garagens). Em Portugal continuam a crescer as grandes superfícies ao contrário da tendência da restante Europa, com a excepção de países como a Rússia a a Turquia. É curioso mas a própria associação representativa dos Centros Comerciais afirma:
A par destas alterações, é indispensável referir a crescente consciência social em torno da questão da sustentabilidade, ainda com elevada opacidade ao nível da sua operacionalização no contexto territorial. Este paradigma, em busca de afirmação desde a última década do século passado, estrutura todo o pensamento do “Novo Urbanismo” (cidade compacta, mistura de usos urbanos, primazia ao transporte colectivo e aos espaços públicos como elementos de convivialidade), como alternativa ao crescimento urbano extensivo orientado pelo automóvel, começando a influenciar a concepção das políticas territoriais. Ao favorecer o crescimento urbano por colmatação de tecidos fragmentados em prejuízo do crescimento por extensão dos perímetros urbanos, esta nova abordagem pode criar dificuldades acrescidas na localização de empreendimentos comerciais indutores de novas frentes de urbanização. Contudo, pode conduzir a uma maior selectividade na escolha das localizações e traduzir-se em projectos (novos ou reestruturações) de qualidade e bem integrados no tecido urbano (usos múltiplos, espaços públicos abertos,…), por vezes já referenciados não como “shopping centers” mas como “lifestyle centers”.
De facto são mais de 3,4 milhões de metros quadrados de área bruta locável existente nos centros comerciais deste país.

Outra questão muito referida sobre a importância dos Centros Comerciais e razão invocada para muitos licenciamentos tem que ver com a criação de postos de trabalho. Segundo dados da mesma associação estes centros representam 90.000 postos de trabalho directos e 205.000 indirectos. Pois bem fica a faltar a outra face da moeda e esta é nos revelada por um estudo feito pela Universidade Católica, a pedido da Confederação do Comércio Português em 2004, que indica que por cada posto de trabalho criado numa nova grande superfície são extintos quatro no comércio local. O que é feito não é mais do que o contrário de um Robin dos Bosques. Aqui está aumentar-se a capacidade económica dos mais ricos criando uma maior concentração nos grande grupos e enfraquecendo os mais pequenos e menos fortes financeiramente. É uma forma inconsciente de reduzirmos as nossas escolhas e por aí a nossa liberdade.

Em média, cada português não resiste a pelo menos uma ida semanal ao shopping. O conforto, a enorme diversidade da oferta ou os horários alargados de funcionamento são algumas das principais razões para este sucesso que pagaria vários aeroportos novos. Somam-se ao facto algum comércio tradicional não ter sabido adaptar-se e modernizar-se. Acontece que esta capacidade de adaptação tem muito que ver com a flexibilidade do trabalho. As mesmas regras laborais que se aplicam aos grandes centros comerciais mas que não são seguidas pelas grandes superfícies. A maioria dos vínculos laborais nestas lojas são precários ao contrário do que acontece no comércio tradicional. A concorrência é demasiado desleal.

Nesta questão do comércio tradicional e dos centros históricos sofremos dum mal comum a outras áreas: pouco exercício da cidadania resultante da pouca consciência social e literacia. Essa é a grande diferença entre nós e outros povos europeus atrás referidos. É através das opções enquanto consumidores e agentes responsáveis pelo nosso próprio comportamento e uso do espaço público que potenciamos a conservação do local e tradicional em deterimento destas grandes superfícies. Fazê-mo-lo? Não! Porquê? Às vezes por um euro de diferença. O mesmo euro que desperdiçamos diariamente sem paralelo. Por ele, preferimos as grande superfícies. Às vezes atrás de promoções feitas sobre o esmagamento de margens dos mais pequenos (sejam eles pequenos produtores agrícolas, editores, artesãos ou industriais da alimentação). Sim. São esses pequenos e não as grande superfícies que vos dão esse muito pequeno desconto. Por ele, preferimos as grandes superfícies. Às vezes atrás do quente ou do frio do ar condicionado pois o nosso clima é muito rigoroso, ao contrário do resto da Europa. Por ele, preferimos as grandes superfícies. E a abertura ao Domingo? Esse bem fundamental dos tempos modernos. Esse bem que os vis comerciantes tradicionais se recusam, como que por mera teimosia, a dar aos consumidores. Bom...é preciso começar por dizer que grande parte dos trabalhadores das grandes superfícies apenas tem um dia de folga por semana ao contrário do que acontece com a maioria dos trabalhadores do comércio tradicional. E... acabar por dizer que é estranho que só para os portugueses é que é fundamental poder comprar ao Domingo pois isso não tem sido fundamental no consumo por essa Europa fora! No fundo, isto não é uma questão comércio tradicional versus grandes superfícies é uma pergunta sobre que modelo de sociedade queremos e podemos defender.

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1 Comentários

Caro Francisco:

Gostei de passar por aqui. Espero que possas ter mais tempo para nos dares estes valiosos contributos para a nossa reflexão.

Um reparo: a letra do blogue está muito pequena, dificulta a leitura, Podes alterar isso no layout, talvez...

Obrigado pela tua passagem no nosso "Património"...