O meu pai faria hoje 90 anos

à esquerda o meu pai a brincar com o neto mais velho / à direita o meu pai foto tipo passe

--> O meu pai faria hoje 90 anos (faleceu a 27 de Janeiro de 2017). Quando nasceu ainda o Mundo não tinha passado pela II Grande Guerra, Portugal vivia numa ditadura militar desde a Revolução de 28 de Maio de 1926 (só em 1933 teríamos uma nova constituição que deu início ao Estado Novo). Nesse tempo, a taxa de alfabetização dos portugueses era inferior a 38%. O meu pai, de nome Francisco Inocêncio Rodrigues, era o quarto filho numa família de 9 irmãos. O seu pai era pedreiro e bombeiro voluntário, enquanto a minha avó era doméstica. Recordo as estórias meio difusas sobre a sua infância, da qual guardava tanto de saudade como de mágoa pelo que sentia lhe terem tirado. Sentia que não tinha tido a infância que achava justo ter tido. Foi vivida com muitas carências e dificuldades, hoje felizmente sentidas por menos pessoas no nosso país. Estudou até fazer a quarta classe. Guardava da escola memórias de métodos pouco pedagógicos e hoje já considerados inaceitáveis, como violência física “disciplinadora” como exemplo máximo. Para jogar futebol juntavam meias para fazer uma bola. Começou por tudo isto e para ajudar a família a trabalhar cedo. Durante 40 anos foi funcionário da empresa Francisco António da Silva, do ramo da metalomecânica, grande empresa que chegou a ter perto de 1000 funcionários (não sei se mais) e que desapareceu por completo no final dos anos 90 (onde ainda dando os primeiros passos como Psicólogo, dei formação a alguns, últimos, trabalhadores, com o objectivo de os ajudar no processo de transição para o mercado de trabalho após o encerramento da empresa em curso). Quando se reformou, para além de Caldeireiro, tinha a função de Encarregado, e “queixava-se” tanto da gestão que considerava estar a rumar a empresa ao seu encerramento como de alguns colegas que para isso também contribuíam. Militou em causas de defesa dos direitos dos trabalhadores, tendo estado ligado ao Partido Comunista Português até pouco depois do 25 de Abril de 1974, tendo sempre mantido a simpatia (e voto quase certamente) no mesmo. Se guardo como memória de infância mais terna do meu pai alguns serões de inverno, em que por poucas vezes recortou e colou alguns papéis comigo em jeito de brincadeira, em paralelo com a sua preocupação silenciosa com o meu bem-estar, sofrendo sem querer que eu notasse, por cada uma das doenças de infância ou sobressaltos de vida que naturalmente fui tendo, registo mais tarde na adolescência a sua abertura à discussão política comigo, mesmo que em permanente desacordo em algumas coisas. O seu esforço de trabalho foi focado em dar-me melhores condições de vida do que ele tinha tido e uma infância diferente da dele para melhor. Queria dar-me as ferramentas e conseguir ter os meios para apoiar, junto com uma bolsa de estudo social, a minha frequência de um curso superior. Desde sempre tinha uma forma distanciada de acompanhar o meu percurso académico. Chamava-me no final do ano para me perguntar como tinha sido e dizia-me quase invariavelmente que eu estava a fazer por mim e que ele tentaria ajudar a que eu o pudesse estar a fazer. Mas frisava bem que eu o estava a fazer por mim e pelo meu futuro. Não colocou mais pressão do que isto nem elogiou mais do que isto. A não ser já mais tarde, já após ter eu terminado o curso de Psicologia. Durante alguns anos, os do ensino superior e depois disso, embora menos, ficámos mais distantes. O nascimento dos seus netos (meus filhos) criou mais alguma aproximação, para além dos sempre habituais almoços de Domingo, de quinze em quinze dias. Adorava crianças e enquanto teve saúde para isso satisfazia-o muito brincar com elas ou estar com elas. Sinal de menos saúde nos últimos anos de vida foi isto já não o entusiasmar ou animar como antes. Se as perdas iniciais começaram por ser sentidas pelas dores nas pernas quando caminhava (alguns quilómetros...), mais tarde um cancro na bexiga e uma recidiva, embora ultrapassadas plenamente, deixaram marcas ao mesmo tempo que via partir os seus amigos mais próximos. Fumou durante 40 anos mas parou de um dia para o outro, sem mais. Das últimas coisas que deixou de fazer e que lhe davam muito prazer, foi o convívio com os amigos, principalmente à mesa, onde acompanhava com vinho tinto ou com cerveja. Nos seus últimos anos de vida isto já não acontecia. Aliás deixou de beber qualquer bebida alcoólica. Das últimas satisfações que sei que teve foi ver-me como Bastonário. Guardarei para mim o que sei que dizia à minha mãe sobre mim, em vários momentos da minha vida e que algumas vezes, muito raras, me disse directamente. Gostava tanto de viver como sentia cada vez mais as angústias de perdas que a vida lhe ia trazendo fruto da idade e da saúde em particular. Por isso, hoje janto a pensar nele e em tudo o que me deu. No que fez e no que me fez poder viver. Obrigado pai! Estou-lhe grato e recordando-me dele regularmente não deixo de sentir tristeza e saudade, se calhar da que não se deixa de sentir. Parabéns pai e até sempre!

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